quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Sobre 1 Cor. 14:2

Fica claro de uma leitura cuidadosa dos capítulos 12 a 14 de 1 Coríntios que o problema abordado por Paulo tinha que ver com comunicação eficaz. O uso de língua estranha, se não comunicasse devidamente, não seria de nenhum valor, como o apóstolo deixa claro, especialmente nos versos 6-11, 21-24, de 1 Coríntios 14.

Contudo, os pentecostais têm por base um texto, realmente fundamental para o seu entendimento da prática de “falar em línguas”, o qual merece uma exegese mais profunda. É o velho problema do “texto fora do contexto, que vira um pretexto”: 1 Cor. 14:2--“Pois quem fala em outra língua não fala a homens, senão a Deus, visto que ninguém o entende, e em espírito fala mistérios”.

Inicialmente é bom esclarecer que a maioria dos pentecostais entende que a experiência dos apóstolos em Atos 2, quando falaram em línguas compreendidas pelas várias pessoas de diferentes etnias no dia de Pentecoste, foi algo único, inigualável, irrepetível, e que a experiência de “falar em línguas” que adotam é a de 1 Coríntios 14, especialmente o vs. 2, que se trataria de “língua dos anjos” (numa referência forçada de 1 Cor. 13:1)--uma língua espiritual, misteriosa, manifesta como dom especial de Deus e prova de que o que a pronuncia foi “batizado no Espírito”. Mais provável neste texto é que o Apóstolo indique que não a falaria (“ainda que eu fale. . .”).

Como dissemos no artigo “Para Entender Justificação Pela Fé” (no. 20 de nosso “Catálogo” de temas):

O dom do Espírito é o selo, o juramento e a garantia de que fomos justificados (Efé. 1:13, 14; Rom. 8:14-16). Isto contradiz a noção de que o Espírito é concedido como uma “segunda bênção” posterior e superior à justificação, que produz manifestações sobrenaturais como garantia de que o indivíduo não só confirma, mas aprimora sua aceitação diante de Deus. O evento glorioso da imputação da justiça, baseada na experiência de Cristo, jamais pode ser superado por quaisquer experiências que o homem desfrute, mesmo as de caráter religioso.

Estaria Paulo em 1 Cor. 14:2 falando de alguém que “em espírito fala em mistérios”, ou seja, fala numa língua incompreensível aos ouvidos humanos, mas essencialmente espiritual, elevada, que revela uma ligação especial e muito espiritual com Deus por parte de quem a emite? O fato é que com esta passagem os pentecostais buscam superar toda a contradição evidente da sua prática com as claras instruções no restante do capitulo de como NÃO se deve empregar o dom de falar em línguas no culto congregacional, como nos vs. 23-28.

Há várias posições a respeito deste texto (vs. 2) de interpretação aparentemente difícil. Alguns entendem que Paulo está realmente dizendo que os que falam em línguas, sem que haja intérprete (fato comum no meio carismático), se edificam sozinhos pelo simples fato de serem dotados de um poder espiritual que o fenômeno de origem divina lhes propiciaria. Entretanto, tudo indica que Paulo está falando em termos hipotéticos, sendo até irônico. Ele quer dizer que de nada valeria a pessoa falar numa língua misteriosa se não for entendida, pois estaria falando consigo mesma ou com Deus, por Ele entender certamente todos os idiomas do mundo (o que também significaria uma sugestão para essa pessoa ficar calada, orando e/ou meditando, cf. vs. 28).

Ou Paulo poderia estar recorrendo a fina ironia no vs. 2, como fez ao tratar do problema dos judaizantes que requeriam a circuncisão de todos, chegando a dizer, segundo alguns especialistas em grego, que os que insistiam no rito da circuncisão para os conversos cristãos, fariam melhor se, em lugar de somente terem removida uma pequena parcela de tecido do órgão genital masculino (o prepúcio), cortassem tudo de uma vez (ver Gál. 5:12-“se mutilassem”, do grego ’apocópsontai, palavra derivativa do verbo com o sentido de “emascular-se”, “castrar-se”). O apóstolo Paulo caracteriza-se às vezes como bastante irônico.

Por fim, se o fenômeno carismático moderno é manifestação do Espírito Santo, como ficam os textos de 1 Cor. 12:4, Efés. 4:4, 12, 13 que falam que o Espírito é concedido para união, fraternidade, edificação da igreja como um todo? Já se viu grupo mais desunido do que as várias corporações pentecostais protestantes, acrescida nestas últimas décadas do segmento católico para dividir ainda mais os vários grupos que reivindicam posse especial do Espírito de Deus? Disse Jesus: “Por seus frutos. . .”

E se tal fenômeno é evidência do derramamento da “chuva serôdia” (Atos 2:17ss), por que, após um século do movimento pentecostal, tanto o clássico como o das igrejas renovadas de tempos mais modernos, não se superou a “vergonha da tarefa inacabada”-a evangelização mundial prevista em Mat. 24:14 pelas várias corporações que teriam esse poder espiritual superior? Ademais, em Efésios 4 Paulo não estabelece como regra que as línguas deveriam ser dom único ou necessariamente atribuído a todos, pois os dons são vários, e variadamente concedidos: ver Efés. 4: 11, 1 Cor. 12:8-11

Fonte: Azenilto

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